
O Tribunal de Contas do Estado do Piauí (TCE-PI) realizou, nesta quinta-feira (13), a Primeira Conferência Reflexiva do Novembro da Consciência Negra, que contou com ampla participação de instituições e movimentos de defesa da igualdade racial, entre eles a OAB-PI, o Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério Público e a Associação Piauiense de Municípios (APPM).
O evento foi organizado pelo Comitê de Equidade Étnico-Racial do TCE-PI, presidido pela conselheira Flora Izabel. A abertura contou com a performance “Ancestralidade”, apresentada pelo movimento afro-cultural Coisa de Nêgo, com os artistas Gilvano Quadros e Chiquinha Aguiar.
O presidente do TCE-PI, conselheiro Kennedy Barros, destacou a importância do momento de reflexão sobre o racismo, ressaltando que a conscientização é essencial para o enfrentamento da discriminação. Ele citou Saint-Exupéry, ao mencionar “a audácia da ignorância, capaz de ver nos outros os seus próprios defeitos”, e Rui Barbosa, que afirmou que “aquele que não luta por seus direitos não é digno deles”, para exemplificar que a verdadeira função do TCE encontra sua essência no acompanhamento das políticas públicas.
A fala do presidente foi antecedida pelas manifestações da conselheira Flora Izabel e do secretário da SASC, João de Deus Sousa. Flora lembrou que, apenas no ano passado, o Piauí registrou 5,2 mil denúncias de violações de direitos de pessoas negras — incluindo casos de injúria, segregação, feminicídio e agressões — somente pelo Disque 100.
“Não são apenas dados estatísticos, são números que representam dor e sofrimento. A legislação e as políticas públicas são ferramentas fundamentais no combate ao racismo”, ressaltou.
Ela lembrou ainda que, quando vereadora de Teresina, foi autora de uma lei que proibiu a exigência de “boa aparência” em anúncios de emprego.
“Ter boa aparência era ser loira e de olhos claros. Negra, não! As cotas raciais permitiram um avanço expressivo na presença de pretos e pardos nas escolas, universidades e instituições públicas e privadas”, completou.
O secretário João de Deus elogiou a iniciativa do TCE-PI, considerando-a um exemplo a ser seguido por outras instituições. Ele conclamou a APPM a difundir entre os prefeitos a necessidade de ações efetivas no combate ao racismo, na defesa dos direitos humanos e no respeito aos povos originários.
Consciência racial e controle das políticas públicas
Após as falas das autoridades, foi realizado o painel “Consciência racial e o controle das políticas públicas equitativas”, com a participação de Mamadu Saido Djaló, doutorando em Ciência Política e servidor do TCE-PI; Lara Danuta, presidente do Comitê de Gênero, Raça, Diversidade e Inclusão da Secretaria de Planejamento; Assunção Aguiar, superintendente de Igualdade Racial e Povos Originários da SASC; e Teresa Cristina Moura Costa, professora doutora da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Mamadu Djaló abordou a conjuntura do racismo no Brasil, desde o período escravocrata até os dias atuais, destacando dados sobre desigualdades em educação, saúde e renda. Ele observou que o país nunca implementou políticas públicas consistentes de enfrentamento ao racismo. O pesquisador, natural de Guiné-Bissau, lembrou que seu povo está presente no Brasil desde tempos remotos e citou estudos da arqueóloga Niède Guidon que apontam inscrições na Serra da Capivara como evidências da presença de povos africanos pré-históricos.
Já Lara Danuta discorreu sobre as diferentes manifestações do racismo, afirmando que ele deixa de ser inconsciente quando há acesso à informação.
“O Piauí é o estado mais negro do Brasil. Enquanto pouco mais de 50% dos brasileiros se declaram negros, cerca de 80% dos piauienses assumem essa identidade. Temos diversas leis e normativos para reduzir desigualdades — o desafio é colocá-los em prática”, afirmou.
Assunção Aguiar destacou que seu maior desafio na SASC é sensibilizar gestores para a alocação de recursos destinados às políticas públicas de igualdade racial.
“Os gestores dizem que todos são tratados de forma igual, que todos comem do mesmo bolo. Mas, quando olhamos a fila dos que vão comer, vemos que, para os últimos, só sobram os farelos”, comparou.
Ela também ressaltou a importância da representatividade e do reconhecimento:
“Esse é um momento histórico. Que os meus e minhas se sintam bonitos. E se alguém fizer racismo recreativo, não durma com essa preocupação”, concluiu.
Encerrando o painel, a professora Teresa Cristina Moura Costa destacou que as políticas públicas nascem das contradições entre o poder e a sociedade, e que a pauta étnico-racial precisa estar incorporada a elas.
“Há uma ausência histórica do Estado em relação à população negra. Nossa sociedade foi estruturada para deixá-la à margem. Precisamos concretizar os direitos sociais garantidos pela Constituição de 1988”, afirmou.































